Texto da orelha do livro
Edifício é o novo livro de Leandro Jardim, o primeiro depois de um
hiato de 6 anos. Além de inéditos, reúne poemas que tiveram ótima recepção em
veículos de destaque no gênero, como Rascunho, Escamandro e Mallarmagens.
Com "Todas as Vozes Cantam (7Letras, 2008), Leandro foi apontado
pelo Caderno B, do Jornal do Brasil, como uma das promessas da geração 00. De
lá pra cá publicou outros livros de poesia contos e uma novela.
Para o crítico literário Marcos Pasche, este Edifício alça feitos notáveis ao expandir a percepção do real e os limites do metadiscurso. A escritora Kátia Bandeira de Mello Gerlach aponta o vigor da engenharia metafísica presente nos poemas. E para o editor e escritor Anderson Fonseca, Edifício traz versos ácidos, críticos, e que fazem uma leitura aguçada de nosso tempo.
***
Prefácio (por Bruna Mitrano)
Após um intervalo de seis anos,
desde a publicação da novela “A
Angústia da Relevância”, Leandro Jardim nos surpreende com esta
coletânea de poemas que se distingue pela originalidade e pelo teor crítico. Edifício
prova que é possível unir sarcasmo e lirismo numa poesia que não ignora as
configurações sociais e as questões do seu tempo.
Logo na primeira
seção, “timeline”, somos convidados a refletir sobre a descartabilidade da vida,
a efemeridade dos acontecimentos e o valor das relações humanas na era digital
– na qual prevalecem a solidão e um silêncio diferente daquele que serve de
estímulo para a criação, um silêncio que representa falta de diálogo.
ele
não respondeu ela não respondeu
nem
uma frase sem pontuação
nem
uminha
a
outra demorou teve um que não pôde
nem
um tempinho de atenção
nem
uma vírgula
Para além da crítica ao
individualismo, os poemas dessa seção expõem uma violência da velocidade. O
corpo que exaure e perde o controle, diante da pressa e da pressão. Aqui, o dinamismo
de nossos dias é mostrado também em seu aspecto negativo, o de sufocamento.
Nada disso, é o coração
Que
não cala, e o trabalho
Que
não acaba
Sussurra
alguém.
Silêncio
e movimento
Se
atropelam na estação.
Desgovernado
Um
homem descarrilha.
É
nesse e em outros sentidos que Edifício se afirma como um livro
audacioso, que denuncia um adoecimento coletivo e coloca o dedo em muitas feridas,
principalmente naquelas do que se convencionou chamar “meio literário” ou
“circuito da arte contemporânea”.
Seu poema mais provocativo talvez
seja “Oficina papa prêmio”, uma espécie de manual que ridiculariza os
escritores que investem excessivamente em marketing pessoal. Neste, o autor faz
uma crítica explícita à burocratização da escrita.
Aula
4 - Autopromoção
até
na derrota. Toda vez
que
perder, escreva um texto
criticando
a lisura do prêmio. [...]
Na seção que dá título ao
livro, no entanto, a voz poética se volta para a vida privada e o tom passa a
ser mais contemplativo que crítico.
Em “Janelas de Copacabana”, o
observador se deixa levar pela ilusão da distância. Uma flor de plástico passa a
ser um leitor debruçado na janela e um ferro de passar, um cão. O silêncio, nesse
caso, não representa solidão, mas acolhimento: o tempo de contemplação da
janela distante é justamente o tempo de ignorar a rua, estrondosa e triste.
e
sob nossos pés passavam
estrondos
e carros
transeuntes
tristezas cigarros
misérias
trabalhos enfados
que
nos enganavam
Estar em meio a uma massa
barulhenta pode significar, mais que em qualquer outro contexto, estar só – “ninguém
à volta/ pode ser/ multidão”. Leandro Jardim nos lembra que, na era do
individualismo, falta-nos a individualidade, a liberdade, de escolher nossos
próprios caminhos. Somos autômatos, peças de uma engrenagem, que visa a produzir
miséria e cansaço.
Num mesmo sentido, a seção
“Mundos” propõe pensar o todo, a coletividade, a partir do particular, isto é,
dos vários micromundos que habitamos.
“40 semanas” é uma carta à filha em gestação,
aconselhando-a não ter pressa em nascer, pois aqui tudo é veloz demais, nem se
demorar, pois tudo se repete, tudo vem e vai. O poema nos coloca diante de dois
mundos, cada qual com seu ritmo – este onde vivemos e o útero, nossa primeira
morada. Novamente, uma crítica à urgência das coisas, dessa vez de uma
perspectiva íntima e com um tom afetuoso.
o
mundo aguarda filha por você
não
repare a urgência de tudo
é
sempre sempre a mesma lembra
esta
espera feita impermanência
Partindo de um ponto de vista
semelhante, a quarta e última seção vai expor um conflito entre a paisagem de
dentro e a paisagem de fora – “há uma paisagem/ interna/ que me observa” – e,
mais que isso, vai borrar os limites entre pessoa e paisagem, ao pensar o tempo.
sou
o vento,
sol
e chuva ao longe,
mar
em movimento
sutil,
e
o tempo ainda passa.
Os poemas de Paisagem trazem o
sublime nas sutilezas, nos acontecimentos casuais, e mostram a vida que habita as
coisas miúdas, como uma nesga de sol – “raio calor/ cor do divino/ claro pendor
// grande-mínimo” – ou uma semente:
tão
pequena
e
leva por dentro
a
vida
a
vida
também
tão pequena
e
guarda no centro
o
infinito
Revelando a paisagem da janela
ou a janela da paisagem, o Edifício de Leandro Jardim guarda o infinito,
porque é vida, porque é corpo. Um corpo que, embora estático, se desloca. Que
sustenta o insustentável: o peso de ser corpo, em tempos artificiais. E que não
teme expor suas vigas, a ruína dentro, porque sabe que a queda também edifica.