12.12.23

Edifício (Patuá, 2023)

 

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Texto da orelha do livro

Edifício é o novo livro de Leandro Jardim, o primeiro depois de um hiato de 6 anos. Além de inéditos, reúne poemas que tiveram ótima recepção em veículos de destaque no gênero, como Rascunho, Escamandro e Mallarmagens.

Com "Todas as Vozes Cantam (7Letras, 2008), Leandro foi apontado pelo Caderno B, do Jornal do Brasil, como uma das promessas da geração 00. De lá pra cá publicou outros livros de poesia contos e uma novela.

Para o crítico literário Marcos Pasche, este Edifício alça feitos notáveis ao expandir a percepção do real e os limites do metadiscurso. A escritora Kátia Bandeira de Mello Gerlach aponta o vigor da engenharia metafísica presente nos poemas. E para o editor e escritor Anderson Fonseca, Edifício traz versos ácidos, críticos, e que fazem uma leitura aguçada de nosso tempo.

***

Prefácio (por Bruna Mitrano)

                 Após um intervalo de seis anos, desde a publicação da novela “A Angústia da Relevância”, Leandro Jardim nos surpreende com esta coletânea de poemas que se distingue pela originalidade e pelo teor crítico. Edifício prova que é possível unir sarcasmo e lirismo numa poesia que não ignora as configurações sociais e as questões do seu tempo.

                 Logo na primeira seção, “timeline”, somos convidados a refletir sobre a descartabilidade da vida, a efemeridade dos acontecimentos e o valor das relações humanas na era digital – na qual prevalecem a solidão e um silêncio diferente daquele que serve de estímulo para a criação, um silêncio que representa falta de diálogo.

 

ele não respondeu ela não respondeu

nem uma frase sem pontuação

nem uminha

 

a outra demorou teve um que não pôde

nem um tempinho de atenção

nem uma vírgula

 

                 Para além da crítica ao individualismo, os poemas dessa seção expõem uma violência da velocidade. O corpo que exaure e perde o controle, diante da pressa e da pressão. Aqui, o dinamismo de nossos dias é mostrado também em seu aspecto negativo, o de sufocamento.

 

                                    Nada disso, é o coração

                                    Que não cala, e o trabalho

 

                                    Que não acaba

                                    Sussurra alguém.

 

                                    Silêncio e movimento

                                    Se atropelam na estação.

 

                                    Desgovernado

                                    Um homem descarrilha.

 

                 É nesse e em outros sentidos que Edifício se afirma como um livro audacioso, que denuncia um adoecimento coletivo e coloca o dedo em muitas feridas, principalmente naquelas do que se convencionou chamar “meio literário” ou “circuito da arte contemporânea”.

                 Seu poema mais provocativo talvez seja “Oficina papa prêmio”, uma espécie de manual que ridiculariza os escritores que investem excessivamente em marketing pessoal. Neste, o autor faz uma crítica explícita à burocratização da escrita.

 

Aula 4 - Autopromoção

até na derrota. Toda vez

que perder, escreva um texto

criticando a lisura do prêmio. [...]

 

                 Na seção que dá título ao livro, no entanto, a voz poética se volta para a vida privada e o tom passa a ser mais contemplativo que crítico.

                 Em “Janelas de Copacabana”, o observador se deixa levar pela ilusão da distância. Uma flor de plástico passa a ser um leitor debruçado na janela e um ferro de passar, um cão. O silêncio, nesse caso, não representa solidão, mas acolhimento: o tempo de contemplação da janela distante é justamente o tempo de ignorar a rua, estrondosa e triste.

                

e sob nossos pés passavam

estrondos e carros

transeuntes tristezas cigarros

misérias trabalhos enfados

que nos enganavam

 

                 Estar em meio a uma massa barulhenta pode significar, mais que em qualquer outro contexto, estar só – “ninguém à volta/ pode ser/ multidão”. Leandro Jardim nos lembra que, na era do individualismo, falta-nos a individualidade, a liberdade, de escolher nossos próprios caminhos. Somos autômatos, peças de uma engrenagem, que visa a produzir miséria e cansaço.

                 Num mesmo sentido, a seção “Mundos” propõe pensar o todo, a coletividade, a partir do particular, isto é, dos vários micromundos que habitamos.

                  “40 semanas” é uma carta à filha em gestação, aconselhando-a não ter pressa em nascer, pois aqui tudo é veloz demais, nem se demorar, pois tudo se repete, tudo vem e vai. O poema nos coloca diante de dois mundos, cada qual com seu ritmo – este onde vivemos e o útero, nossa primeira morada. Novamente, uma crítica à urgência das coisas, dessa vez de uma perspectiva íntima e com um tom afetuoso.

 

o mundo aguarda filha   por você

não repare a urgência de tudo

é sempre sempre a mesma lembra

esta espera feita impermanência        

 

                 Partindo de um ponto de vista semelhante, a quarta e última seção vai expor um conflito entre a paisagem de dentro e a paisagem de fora – “há uma paisagem/ interna/ que me observa” – e, mais que isso, vai borrar os limites entre pessoa e paisagem, ao pensar o tempo.

 

sou o vento,

sol e chuva ao longe,

mar em movimento

sutil,

e o tempo ainda passa.

 

                 Os poemas de Paisagem trazem o sublime nas sutilezas, nos acontecimentos casuais, e mostram a vida que habita as coisas miúdas, como uma nesga de sol – “raio calor/ cor do divino/ claro pendor // grande-mínimo” ou uma semente:

 

tão pequena

e leva por dentro

a vida

 

a vida

também tão pequena

e guarda no centro

o infinito

 

                 Revelando a paisagem da janela ou a janela da paisagem, o Edifício de Leandro Jardim guarda o infinito, porque é vida, porque é corpo. Um corpo que, embora estático, se desloca. Que sustenta o insustentável: o peso de ser corpo, em tempos artificiais. E que não teme expor suas vigas, a ruína dentro, porque sabe que a queda também edifica.

 

 




7.9.17

Um pote de sorvete


A paz de espírito é um pote de sorvete
Que se possa tomar sem pensar nos fardos.
Sem lembrar de nada, o pote de sorvete
À tarde amena é uma forma de meditação.

O pote de sorvete à tarde amena é o tempo
As colheradas, o vento e este redor sutil
Como se fosse tempo nosso e não o da avenida.
Não há potes de sorvete no tempo da avenida.

O pote de sorvete pode ser o cheiro de café.
O livro de poemas pode sê-lo, a paisagem,
Ou ser pote de outra coisa que também se goste.
Desde que carregue em si o tempo, a tarde,

O espírito e a ideia de não pensar em nada.
Então, há tarde para respirar, espírito suficiente
Para espreguiçar o corpo, e há tempo até
para um livro de poemas, e um pote de sorvete.

--
[LJ]