Ainda sobre a publicação no Jornal Rascunho, deixo aqui o inédito que dá nome ao conjunto.
Mundo alienado de mim
És a gaivota que canta
A natureza alheia das coisas
E o edifício de concreto
Erguido noutro século
És o silêncio das árvores
Acomodadas ao vento
E o passo dos velhinhos
Veloz através do tempo
És o frio imperceptível
No audível murmúrio de tudo
E o mais que ainda me escondes
Mundo alienado de mim
És a sombra no chão que esquenta
E o esquecimento acima de tudo
O choro do meu filho
E alguma paz que surpreende
És o trigo a negar o joio
E o joio a despeito disso
O poema que atravessa
O que nunca se pensou
O que mais ainda me escondes
Mundo alienado de mim?
Esquecido da minha existência
Não sabes, mundo, quem eu sou
É daí que não me exiges glória
E me liberto de tua vã regência
Não me obrigas mais à gravidade
Nem à consciência sã da finitude
E daí me faço todo o resto
Das coisas que também não percebes
Me torno a fala do objeto inanimado
A vida das ideias jamais postas em papel
A ruidosa ausência do estrondo
E a chama no oceano profundo eu sou
Me pode um chapéu vestir o ventre
E dele saberei parir a soma equívoca
Serei, pois, tudo que de ti escapa
Mundo alienado de mim
Serei, pois, tudo que em ti não se entende
Mundo alienado de mim
E o que mais ainda assim me escondes
Mundo alienado de mim
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