21.6.16

Mundo alienado de mim

Ainda sobre a publicação no Jornal Rascunho, deixo aqui o inédito que dá nome ao conjunto.

Mundo alienado de mim

És a gaivota que canta
A natureza alheia das coisas

E o edifício de concreto
Erguido noutro século

És o silêncio das árvores
Acomodadas ao vento

E o passo dos velhinhos
Veloz através do tempo

És o frio imperceptível
No audível murmúrio de tudo

E o mais que ainda me escondes
Mundo alienado de mim

És a sombra no chão que esquenta
E o esquecimento acima de tudo

O choro do meu filho
E alguma paz que surpreende

És o trigo a negar o joio
E o joio a despeito disso

O poema que atravessa
O que nunca se pensou

O que mais ainda me escondes
Mundo alienado de mim?

Esquecido da minha existência
Não sabes, mundo, quem eu sou

É daí que não me exiges glória
E me liberto de tua vã regência

Não me obrigas mais à gravidade
Nem à consciência sã da finitude

E daí me faço todo o resto
Das coisas que também não percebes

Me torno a fala do objeto inanimado
A vida das ideias jamais postas em papel

A ruidosa ausência do estrondo
E a chama no oceano profundo eu sou

Me pode um chapéu vestir o ventre
E dele saberei parir a soma equívoca

Serei, pois, tudo que de ti escapa
Mundo alienado de mim

Serei, pois, tudo que em ti não se entende
Mundo alienado de mim

E o que mais ainda assim me escondes
Mundo alienado de mim

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